Esmalte acrilico e nanquim sobre tela
Acrylic enamel and ink on canvas
100 x 110cm 2021
newman schutze
na poética de Schutze o peso das mãos, o emprego do corpo, o gesto repetido contam e muito. Talvez uma reação ao caráter epidérmico da vida contemporânea, a carência de experiências efetivas, a perda de substância.
Agnaldo Farias
nanquim
Fabricada a lâmina d’água, Newman Schutze, empunhando o rodo, pisando no papel com os pés vestidos com meias, começa cuidadosamente a trazê-la para si, puxa-a, faz com que deslize sobre a superfície do papel à medida que caminha de costas. Esse procedimento é inteiramente diverso do empregado na sua pintura, um duelo entre corpos verticais. Colocado sobre o chão ou sobre uma mesa, caso dos papéis de formato menor, a coreografia corporal é bem outra. No que se refere ao processo de elaboração de um trabalho nos moldes do descrito até aqui, o artista pisa sobre ele, vai caminhando ao passo em que o vai construindo. Na qualidade de extensão do gesto, o instrumento utilizado é crucial para a obtenção do resultado. A arte, ao contrário da ciência e sua pretensão de elaborar categorias universais, produz singularidades. Nesse sentido, como ressalva ao que já se afirmou, esses não são desenhos de água mas desenhos de água sobre papel produzidos por rodos.
Agnaldo Farias
A água, elemento basilar, é o principal assunto dos trabalhos em papel de Newman Schutze. O solvente por excelência do nanquim, ancestral corante chinês produzido a partir do carvão, empregado pelos cultores do sumie, e também material de eleição de Newman Schutze para os seus desenhos. Diversamente do óleo, material mais lento e resistente à ação, passível de ser modelado e remodelado sobre uma tela ao longo de dias como um bocado de argila conservada úmida, o nanquim, devidamente diluído, é muito mais rápido, difícil de ser controlado, suscetível a erros e acidentes. Pois é justamente essa velocidade e total dependência da água que o tornou fonte das experiências mais radicais do artista, com resultados que, por sua vez, terminam por levá-lo a encontrar novas possibilidades em sua pintura.
Agnaldo Farias
Importa que o movimento seja definido de modo quase exato, uma única proposição, e aí resta apenas que eu o execute, deixando um rastro físico mas também ilusional, uma face oculta da forma
um grande rodo que passeia sobre o papel, gesto único, que deixa sua trajetória como uma espécie de dança, permitindo que a água molhe o papel, embeba, aproveitando dela essa sua característica primordial.
Newman Schutze
Acrilica e impressão sobre tela
Acrylic and printing on canvas
137 x 164cm 2020
Se suas pinturas tratam de massa, compostas que são de um material grosso, grumoso, grudento, virtudes de sua base oleosa, seus desenhos são feitos de água, ostentam suas qualidades, oferecem algumas de suas lições.
Agnaldo Farias
pinturas
No âmbito da sua pintura o artista procede segundo alguns padrões: vai ocupando o quadrilátero alvo com soluções regulares, como campos cultivados.
Agnaldo Farias
Assim, e como é natural, um interesse pela experimentação técnica (óleo, têmpera, aplicação de retalhos sobre o suporte) e pela busca de um estilo predomina claramente na produção de Newman por um período que irá se estender até meados dos anos 1990 e depois se confundirá com a virada do milênio, quando as já assinaladas inquietações, ou indícios de uma crise interna no trabalho, começam a assombrá-lo. Até então sua pintura se desenvolverá de modo ativo e segura de suas qualidades, mas ainda carente de um fator que imprimisse a ela um sentido mais amplo de unidade, um elemento vital que fornecesse um centro à sua práxis e lhe permitisse alicerçar a busca por uma identidade própria, por assim dizer.
Um caminho pelo meio.
Guy Amado
Que ninguém se engane: só se consegue a simplicidade através de muito trabalho.
Clarice Lispector
Sem título
Untitled
Acrilica e óleo sobre papel
Acrylic and oil on paper
2019
abstração e figuração
esculturas
O estio da pedra
A obra de Newman Schutze é afeita às longas durações. As camadas de tinta a óleo depositadas paulatinamente sobre a tela. As semanas que levou desbastando as pedras da instalação que expôs no projeto da vitrine do Masp. O tempo sempre comparece como elemento constitutivo do trabalho, mesmo quando a ideia é desafiá-lo, como nos desenhos quase instantâneos feitos a nanquim.
Juliana Monachesi
Newman Schutze na vitrine do MASP / metrô SP 2013
planície de Newman Schutze no Metrô Trianon-MASP - Linha2
curadoria de Regina Silveira
Sem título
Untitled
Carvão, pigmento e pastel s/ papel
charcoal, pigments, dry pastel chalk on paper
150 x 200cm 2017
Posso ouvir o tempo passar
Assistir a onda bater
Mas o estrago que faz
A vida é curta pra ver...
Los Hermanos, Rodrigo Amarante
Pego esta letra porque ilustra bem este tempo geológico, que vem aí dos seu 4,5 bilhões de anos, se passando, transformando e desenhando a terra, tempo este que o meu trabalho de desenho a carvão enfatiza, é dele que quero falar, as rochas, águas, vento, gelo, fogo, enfim o que vem transformando a nossa crosta terrestre a tanto tempo. Olhar uma pedra encrustrada na montanha e perceber que ela está ali a nos olhar muito antes que pudessemos imaginar que ficaríamos eretos, pensarmos que está grande porção de água que forma nosso planeta veio de asteróides que aqui caíram, ou seja, a água é alienígena, enfim este tempo não humano, tempo geológico, esse tempo profundo que foge aos nossos padrões de referência, é isso o que meu desenho está falando, fazendo-me pensar que a humanidade é quase uma população flutuante, como turistas em alguma cidade no feriado, é isso.
Newman Schutze
carvão, pigmento e pastel s/ papel
Sobre águas III
Over water III
Óleo e nanquim s/ tela
Oil and indian ink on canvas
115 x 140cm 2017
desenhos e pinturas sobre as águas
De um lado o sol, de outro o artista. Pensemos o artista, por um momento, como quem se coloca no lugar de todo aquele que transforma a natureza, altera suas feições, retifica suas irregularidades, impõe-lhe uma ordem, o que não quer dizer que para isso não tenha que se haver − e respeitar − com o ritmo das estações, ansiar pela quantidade certa de chuva e outras variáveis que ele pode prever, mas não controlar. Podemos seguir adiante no raciocínio e pensar o artista também como todo aquele que enfrenta o mundo, e isso é o mesmo que dizer qualquer um de nós, tentando fazer valer sua voz sem que ela submerja ao som ininterrupto do universo. Newman Schutze vem do campo. Não de uma cidade do interior, apenas, mas de uma infância e juventude passadas em fazendas, envolvido em atividades próprias a esse universo. Só mais tarde descobriu a arte e mais tarde ainda radicou-se em São Paulo, conheceu a vida na metrópole, fonte de informações diretas sobre o complexo campo da expressão conhecido por arte contemporânea, que ele sorveu com talento e avidez próprios de quem quisesse compensar os anos passados longe dela.
Agnaldo Farias
O trabalho de Newman trafega simultâneamente nas duas vias e com muita desenvoltura. Seu modo de operação também tem mão dupla: ao mesmo tempo em que produz um apagamento de suas ações iniciais no suporte da tela, deixando apenas um rastro de suas presenças, outras camadas de gestos a elas se sobrepõem, só que agora como marcação da existência material da superfície plástica. Curiosamente esse raciocínio produz a necessidade do surgimento de um desenho demarcatório. Resulta de todas essas colagens de procedimentos uma variada e muito bem articulada discussão sobre a natureza da pintura, hoje com uma cor muito forte e presente. A sensaçao que se tem é de estar na seção de achados e perdidos da pintura, recolhendo aquilo que se perdeu e descobrindo aquilo que se pensava não poder encontrar mais.
Carlos A. Fajardo
desenhos
morfologias, da linha ao movimento.
Quando acompanhamos o andamento de um julgamento, daqueles que não podem ser filmados ou fotografados, chegam-nos aquelas cenas de imagens de desenhos da sequência, ou possível sequência, do processo.
São grandes os mestres do cinema, como Robert Joseph Flaherty (1884-1951, EUA) e Sergei Urusevsky (1908-1974, Rússia), que dão movimento às ideias e formas; formadores sequenciais de referências universais no cinema e que, consequentemente, contribuíram para que a categoria artes plásticas se diluísse em uma nova categoria: a das artes visuais (sem fazer apologia a correntes políticas com um sentido primordial de exclusão, para que o legado cultural e artístico prevaleça). Assim, Newman Schutze enaltece e revela, com sua instalação na Galeria Eduardo Fernandes, em São Paulo, as possibilidades atemporais de valorização de entidades que, no mundo da arte, possibilitam a conjugação das fases em um ou outro suporte. Da mobilidade no vídeo à mobilidade no fazer dos desenhos, esta soma de significados possíveis propicia, para o espectador, uma análise atualizada da realidade e seus personagens; seja a partir de uma perspectiva evolutiva ou de inércia social, de conformismo ou de ruptura. Com a instalação, Schutze estimula a criação de uma estrutura teórica que se vai elaborando a partir das constantes referências sugeridas: desde a fictícia caca do tubarão no filme até a representação pictórica bidimensional pelo artista brasileiro, o conjunto de imagens vai além do específico cinematográfico para se converter em leituras sociológicas com alcance e conotação maiores. A aparente reiteração dos signos pode apontar para zonas não superadas da dinâmica social e se transformar em pontos de partida de novos cenários.
A sequência de desenhos do artista, intercalada com as imagens em movimento diminuídas do filme, fragmentadas em três aparelhos de televisão que, ao mesmo tempo, se mostram em sequência contínua, apresenta-nos uma enciclopédia naturalista em suportes transcritos para as artes visuais, em uma relação ficcional (como no filme) e rotineira com relação ao suporte plástico que acompanha as projeções audiovisuais que, em ambas as cenas ficcionais, se entrelaçam.
Neles, desenhos e vídeo, a reflexão sobre a vida dos artistas e sobre a própria vida.
Robert J. Flaherty (Os pescadores de Aran, 1934) e Newman Schutze escrevem, em suportes plásticos, sugestões sutis inventadas para ser recriadas pelo receptor OUTRO, a partir do EU sugerido e/ou inventado, em parte ou no todo. Da imagem em movimento à imagem nos desenhos, a predominância da imagem, tanto estática quanto em movimento. O conjunto é impressionante pelo drama estrutural exposto, por sua combinação estética espetacular e pela edição concisa.
Histórias simples, mas essenciais que, no tempo indefinido, emergem aqui como história única interrompida na representação e interpretação imposta a ser costurada, em sua sequência, em sutis e possíveis interrupções. Será autorreferencial? A proposta conseguirá fazer, do espectador, cúmplice de um compromisso de incidência social, quando intui (ou não) que os propósitos do sugerido são consequência de expressões complexas da realidade, suspeitando as incompreensões?
Andrés Hernández
newman schutze
Artista plástico.
l960 Adamantina - SP
Vive e trabalha em São Paulo
A pesquisa pictórica de Newman Schutze desenvolve-se a partir de sua percepção da representação humana ao relacionar a memória que tinha dos trabalhadores do campo com a sua pesquisa formal sobre o corpo humano. Na década de 1980, suas telas são influenciadas pelo expressionismo abstrato visto na obra de Alsem Kiefer, mas retoma a pintura figurativa na década seguinte. Após esse período, investiga poética do gesto em uma conexão direta com a simplicidade das formas.
Durante os anos 1990 realiza exposições no Brasil e no exterior, com destaque para uma mostra individual na Galeria Arauco, em Nuremberg, e a mostra Lateinamerika in Deutschland em Colônia, na Alemanha. Além de Nova Iorque e Madri, expõe na Bienal Nacional de Santos, no Museu de Arte de Brasília, no Museu de Arte Contemporânea da Bahia, na Fundação Padre Anchieta em São Paulo e no Museu de Arte Contemporânea de Campo Grande. Na Galeria Eduardo Fernandes apresenta suas telas e papéis de grandes dimensões em exposições realizadas em 2005, 2009 e 2011.
Natural de Adamantina, ainda na infância muda-se para Marília, também no interior de São Paulo. Graduado em Direito nunca exerceu essa atividade – sua formação artística é como autodidata. Em mais de quatro décadas carreira, o artista foi premiado no Salão Brasileiro de Arte Mokiti Okada no 2º Prêmio Gunther de Pintura e suas obras fazem parte de acervos públicos como o do Museu Victor Meireles em Santa Catarina, do Museu de Arte de Brasília, do Museu de Arte Contemporânea de Salvador, e, em São Paulo, Museu de Arte Primitiva de Assis, do SESC e também do acervo da Fundação Padre Anchieta.